Repetidamente tenho dito que a estratégia educativa do Ontário - Canadá (na frente de muitas coisas interessantes no mundo da educação, mais do que apenas resultados) tem sido a minha inspiração desde há muitos anos. O que faço de melhor bebi nos documentos que fui encontrando na excecional página daquele ministério da educação.
(Só um pequeníssimo exemplo: o respeito pelo trabalho de quem necessita usar os documentos, incluindo mais do que apenas pdfs...)
- Critérios de avaliação: Todos os anos há uma dança repetida de elaboração dos mais variados critérios de avaliação, ao sabor e gosto de cada agrupamento, por conta de um artigo da lei (que vai variando no conteúdo ao longo dos anos, e dos ciclos políticos, mas diz basicamente sempre a mesma coisa e obriga a escolas a definir critérios de avaliação sustentados nas aprendizazens comuns nacionais). Este ano tem sido particularmente estranho já que, uma vez mais, surge uma portaria em agosto que determina, no seu artigo 18, mais coisas ainda:
1 - Até ao início do ano letivo, o conselho pedagógico da escola, enquanto órgão regulador do processo de avaliação das aprendizagens, define, de acordo com as prioridades e opções curriculares, e sob proposta dos departamentos curriculares, os critérios de avaliação, tendo em conta, designadamente:
a) O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória;
b) As Aprendizagens Essenciais;
c) Os demais documentos curriculares, de acordo com as opções tomadas ao nível da consolidação, aprofundamento e enriquecimento das Aprendizagens Essenciais.
2 - Nos critérios de avaliação deve ser enunciado um perfil de aprendizagens específicas para cada ano ou ciclo de escolaridade, integrando descritores de desempenho, em consonância com as Aprendizagens Essenciais e as áreas de competências inscritas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.
3 - Os critérios de avaliação devem traduzir a importância relativa que cada um dos domínios e temas assume nas Aprendizagens Essenciais, designadamente no que respeita à valorização da competência da oralidade e à dimensão prática e ou experimental das aprendizagens a desenvolver.
4 - Os critérios de avaliação constituem referenciais comuns na escola.
Algumas reflexões:
a) uma portaria saída em agosto, obriga que até 1 de setembro esteja tudo feito...
b) achava eu que as aprendizagens essenciais eram o perfil de aprendizagens específicas para cada ano... mas parece que não, parece que temos de as reescrever, digo, enunciar...
c) associar descritores a cada uma das aprendizagens específicas produziria um livro com muitas dezenas de páginas... combiná-los para obter níveis de desempenho, cobrindo todas as possibilidades... matematicamente seria uma tarefa impossível, ou então não percebo e confesso aqui abertamente a minha ignorância sobre o que se pretende...
d) pedimos esclarecimentos e a resposta foi... cada escola é que tem de fazer... (autonomia)
e) resistimos mais um pouco e, pronto, lá começámos a receber documentos feitos por outras escolas para nos "inspirarmos" e fazermos tudo num instantinho para estarmos conformes com a lei...
Falemos então de justiça, equidade, autonomia, responsabilização, flexibilidade e do Ontário.
Parece-me claro que, se existe um currículo nacional (AE e Perfil), compete à tutela estabelecer os critérios comuns de avaliação para cada disciplina desse currículo (deixando à escola a tarefa de o fazer na sua oferta específica de outras oportunidades). Os níveis de desempenho/proficiência, as ponderações, as orientações deviam ser comuns a todos e não apenas a cada escola. Autonomia não é cada escola definir os seus critérios em cada disciplina, as suas ponderações disto e daquilo em disciplinas do currículo nacional... (quando os alunos transitam entre escolas, evidencia-se a desigualdade de ter mais ou menos sorte com o que lhe calha... em sorte). A autonomia (e a flexibilidade) deviam centrar-se nos caminhos escolhidos, na organização do trabalho, na forma como se apoiam os alunos com mais dificuldades, na gestão curricular, como se luta contra a indisciplina, como se educam aqueles pais que são mais obstáculo do que parceiros, na decisão e construção de materiais didáticos e outros recursos ajustados às crianças que serve, nos projetos que desenvolve, nas disciplinas de oferta que estão ajustadas às necessidades da comunidade próxima e ajudam todos a chegar lá, ao sítio comum onde todos devem chegar, com maior ou menor nível de proficiência e com uma avaliação balizada por critérios nacionais, independentemente da origem de cada agrupamento e alunos. Se assim não for, não há transparência nem honestidade no processo. O que se pretende é que cada criança tenha a possibilidade de ter as mesmas oportunidades no mundo real, através de um caminho diferenciado, flexível, que a motiva, que mais se ajusta a si, promove todo o seu potencial, caminho esse desenhado autonomamente e responsavelmente pela sua escola (com as parcerias necessárias, entre as quais se inclui a família).
Espreitem aqui no Ontário para ver como se faz esse trabalho de definição de patamares/níveis de proficiência/critérios comuns (da responsabilidade do seu ministério da educação) com coerência e consistência ao longo dos anos. Têm um excelente documento de base orientador (deixo pequenos excertos que clarificam razões e intenções) e, depois, no conjunto das aprendizagens esperadas para cada ano, em cada disciplina, são incluídos os critérios (PERFORMANCE STANDARDS – ACHIEVEMENT CHARTS).
Criterion-referenced Assessment and Evaluation
Ontario, like a number of other jurisdictions, has moved from norm-referenced to criterion-referenced assessment and evaluation. This means that teachers assess and evaluate student work with reference to established criteria for four levels of achievement that are standard across the province, rather than by comparison with work done by other students, or through the ranking of student performance, or with reference to performance standards developed by individual teachers for their own classrooms. (There is no expectation that a certain number or percentage of students must be allocated to any one level of achievement.) In the past, assessment and evaluation performance standards varied from teacher to teacher and from school to school, and this led to results that were not always fair for all students. Criterion-referenced assessment and evaluation ensure that the assessment and evaluation of student learning in schools across the province are based on the application of the same set of well-defined performance standards. The goal of using a criterion-based approach is to make the assessment and evaluation of student achievement as fair, reliable, and transparent as possible.
Deixo um exemplo dos "standards" para a matemática, comuns do 1.º ao 8.º anos, que constam no documento - Ontario - com as aprendizagens essenciais para a matemática (podem consultar os das vossas disciplinas). Como já defendi na escola, o referencial devia ser comum do 1.º ao 9.º ano... mas como a portaria diz que é por ano ou ciclo...farei copy paste e apresentarei para aprovação dois documentos iguais para o 2.º e 3.º ciclos... o 1.º é outra história e em breve estará incluído, como aqui.
Os nossos critérios sempre foram inspirados neste exemplo, desde há uns anos (com simplificações, pois não posso ir com muita sede ao pote... e é preciso fazer com calma o caminho desde a ponderação associada às ferramentas de avaliação... 70% para os testes etc. até à ponderação associada ao domínio de competências pelos alunos... em boa verdade, nunca apliquei isso, mesmo quando na escola isso eram os critérios... tenho esta mania da infidelidade normativa, quando fundamentadamente sei o que não é correto.).
E este ano já tive de lutar pelo direito a não colocar pesos (!!!!!) nos Temas (Geometria, Números, OTD, Álgebra... !!!!!), mas sim, já que tem de ser, no conhecimento/compreensão de conceitos de qualquer tema matemático vs competências transversais de resolução de problemas, raciocínio e comunicação..... competências estas que, nas AE nacionais, surgem na coluna dos temas/conteúdos (!!!!) - ao contrário do que acontecia no programa de 2007, onde lhes era dado o devido e correto destaque como competências transversais que atravessam todos os temas organizadores e conteúdos matemáticos).
Como não podia deixar de ser... já chegou um questionário de monitorização (controlo), para saber os pesos que se dão em cada escola aos domínios e temas(?) em cada disciplina... Gasta-se tempo no ME a produzir mais uma grelha para a plataforma, que a direção preenche para se monitorizar (vigiar) o cumprimento de uma lei, lei essa que manda as escolas fazer o que devia ser responsabilidade do ME.
E é isto.
Eu quero Autonomia em tudo o que é da minha responsabilidade. Sim. E, acima de tudo, quero serenidade, quero tempo para o que é essencial, para o que verdadeiramente muda as práticas e a qualidade do sucesso: as aulas, os meus alunos, a gestão curricular, o trabalho colaborativo para partilha de práticas, não para construção de mais uma grelha.
Se fizerem o que vos compete com qualidade e responsabilidade (independentemente da cor e com consensos alargados), se amadurecerem ideias (quiçá alicerçadas em bons, corretos e sérios exemplos e práticas, bem como com o contributo de professores reais que conhecem bem o terreno das escolas), se gastarem o vosso tempo a ponderar tudo antes de fazer sair ideia atrás de ideia, prohrama atrás de programa, decreto atrás de decreto, se assumirem a parte que vos cabe na tarefa, a nossa também poderá ser feita com maior qualidade e melhores resultados.
O seu a seu dono.